Nenhum bicho venenoso pode alegar que a luta pela vida o fez assim. Que ele foi ficando venenoso com o tempo, que só descobriu que sua picada era tóxica por acidente, que nunca pensou etc. O veneno sugere que existe, sim, o mal-intencionado nato. O ruim desde o princípio. E o que vale para serpentes vale para o ser humano. Sem querer entrar na velha discussão sobre o valor relativo da genética e da cultura na formação da personalidade, o fato é que não dá para evitar a constatação de que há pessoas venenosas, naturalmente venenosas, assim como há pessoas desafinadas.
A comparação não é descabida. Acredito que a mente é um produto cultural, e que descontadas coisas inexplicáveis como um gosto congênito por couve-flor ou pelo “Bolero” de Ravel, somos todos dotados de basicamente o mesmo material cefálico, pronto para ser moldado pelas nossas circunstâncias. Mas então como é que ninguém aprende a ser afinado? Quem é desafinado não tem remédio. Nasce e está condenado a morrer desafinado. No peito de um desafinado também bate um coração, certo, e o desafinado não tem culpa de ser um desafio às teses psicológicas mais simpáticas. Mas é. Matemática se aprende, até alemão se aprende, mas desafinado nunca fica afinado. Como venenoso é de nascença.
O que explica não apenas o crime patológico como as pequenas vilanias que nos cercam. A pura maldade inerente a tanto que se vê, ouve ou lê por aí. O insulto gratuito, a mentira infamante, a busca da notoriedade pela ofensa aos outros. Ressentimento ou amargura são características humanas adquiridas, compreensíveis, que explicam muito disto. Pura maldade, só o veneno explica.
Luiz Fernando Veríssimo
Lindo e Perfeito....
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